domingo

O Desatar das Exceções



Para chegar a esta vida
precisei vencer uma grande corrida…
Penetrar um óvulo,
sair de um mundo,
entrar e adaptar-me a outro,
dividindo-me,
multiplicando-me, -
até estar pronta para abrir os olhos
a uma primeira luz.

Quando respirei pela primeira vez
já havia cometido muitos atos políticos…
E ao fazê-lo, mergulhei
neste grande repartido
que é o mundo,
para a partir de mim mesma
pelo menos tentar
tomar partido do outro…

Nem bem fui concebida,
e já podia perceber que não se vive,
não se existe, sozinho.

Respirar pela primeira vez
não foi mais difícil que repartir-me, -
que continuar respirando…

Política, sim.
Não a ignoro.
Não jogo ao lixo minha capacidade de pensar,
meu direito e dever de agir para transformar.

Procuro não confundir política
com politicagem,
ou politicalha!
Política está em quase tudo que faço
e que sinto.

Qual ser humano
é capaz de estar diante da fome,
da guerra, da miséria,
das catástrofes que aniquilam pessoas,
e de tudo que as condena à inexpressão, -
desgraças resultantes do interesse
ou do descaso dos poderosos -,
sem reagir pelo menos
em pensamento?!…

Política!
Ela está em minhas escolhas, -
em meus prazeres e ódios;
na música que aprecio;
em todas as manifestações artísticas,
e no meu olhar sobre elas;
ela está no que desejo àqueles
que ainda estão a poucos passos
da tal linha de partida,
mas que um dia, igualmente,
venceram aquela corrida.

Ela vai à minha mesa,
deita-se à minha cama;
passeia nas linhas e entrelinhas
do que leio e do que escrevo;
está na minha decisão
de sentar-me diante da tela
da tv ou do pc,

E procuro não esquecer:
sou eu quem os liga e desliga,-
sou eu quem dou e retiro poder.

Política…
Afogada num mar de ações
que multiplicam suas definições,
alteram-lhe o estado,
naufraga, sem qualquer socorro,
seu mais humano e belo significado.

ju rigoni (2002)

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O Fim do Começo...



Leu poemas demais...
Dizem que enlouqueceu,
cercado de palavras
de panças anchas...

Entre o presente ensebado
e as cinzas do passado,
um futuro inimaginável -
escritos encaixotados,
cavalgando outros confins...

O herói ainda mora dentro;
monta e desmonta o sonho acordado.
Mas do cavalo, de tão magro,
só se consegue ver o rabo...

ju rigoni (Anos 80)

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sábado

Janela

.
As montanhas, lá...
Não saem do seu lugar...

Não há o que possa movê-las;
nem a fé...

Quem não está dentro,
está à porta, pronto para entrar, -
proteger-se,
aguardar...
Ainda que não seja possível
uma mudança de ventos...

ju rigoni (2004)


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domingo

Outra História...



E ele ecoou poético, bonito.
Mágoas de um rio, passando
com o tempo silente.
Sempre à margem...

Transmuda-se o grito. Sem asas,
murmúrio em estações vorazes;
multiplicam-se as suas leituras...
Palavras plenas de mistério,
hoje, a vibrar em outras vozes...

Grito que cala, censura,
nem ao menos resvala
a verdade...

E por incrível que pareça,
tortura ou alívio,
ainda estamos todos vivos...

ju rigoni (1977)


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