domingo

Jogo Duro...



O pau comeu na casa de Zé Bedeu e Zacarias foi parar em cima da espinhenta ibirapitanga. A mulher não fez por menos. Lá de baixo, mãos nas cadeiras, vaticinava:

- Desce daí, cretino! Vem até aqui me encarar, vem! Tá pensando o quê? Que vai chegando em casa na hora que bem entende e se deitando na minha cama com esse perfume vagabundo e essa justificativa sem-vergonha???

Zacarias lá em cima. Os olhos botocudos, paralisado de medo, - quietinho que nem uma coruja.

"Tá doido, sô... - pensava - se me mexo daqui ela me trucida!"

- Desce, safado, que eu vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa...

Vinte minutos se passaram e Romilda lá embaixo, com a vassoura na mão, esperando que Zacarias derribasse da árvore cheinha de flores amarelas que cheiravam como jasmim.

Os vizinhos, é claro, já estavam todos em frente ao portão assistindo a mais este super espetáculo ao vivo e em cores, e sem qualquer ônus. De repente Romilda entrou, escancarou a janela, e passou a jogar tudo, tudinho mesmo, que era de Zacarias, na rua.

- Não faz isso, mulé! - gritava ele, desesperado e paradinho de cócoras no galho do pau-brasil, vendo a esposa despejar calças, cuecas, camisas, sapatos, barbeador, camisa e bandeira do Vascão, chuteira, documentos, o gato, o cachorro...

- Mulé, tu vai matar os bichinhos!...

- Eu vou matar é você, seu sacana! Desce daí, desce?...

E Romilda passou , com a ajuda da vassoura, a sacudir com força os galhos mais baixos da árvore, a ver se o Zaca despencava de maduro.

- Pára com isso, Rô! Aqui tem umas coisinhas que espetam...

- Espetam? Eu é que vou te espetar, sêo malandro. Isto aqui não é a casa-da-mãe-joana não...

Tremendo que nem vara verde na madeira vermelha, Zacarias rememorava a noite anterior...

Saíra do trabalho com o amigo. Tomaram o rumo de casa, mas ao chegar a pracinha Neco viu o filho mais velho envolvido numa briga com outros rapazes da escola. Eram cinco para um. Neco não teve dúvidas e avançou para ajudar o filho. Zacarias nem pensou duas vezes; foi no rastro do amigo. A rapaziada hostil tratou de cair fora na primeira oportunidade.

Neco, agradecido, insistiu para que Zacarias fosse com ele até sua casa. Assistiriam juntos, pela tevê, o Vasco x Flamengo. E não havendo argumento que justificasse a recusa, lá se foram para a casa de Neco. Uma cerveja aqui, outra ali... Zaca foi ficando, ficando... O Vasco ganhou... E tome cerveja! Resultado: acordou no dia seguinte no sofá da sala do amigo.

Já sabia que não ia ser fácil explicar o ocorrido à esposa ciumenta. Afinal, da última vez que chegara em casa fora de hora, Romilda quebrara tudo (que já era pouco) o que tinham em casa.

Agora, porque fizera um favor ao amigo, e apesar de nenhuma vocação para Tarzan, estava ali, em cima da árvore, sabe Deus até quando... "Pelo menos o Vascão ganhou." - pensava.

O vizinho avisou por telefone ao Neco, o melhor amigo de Zaca, e ele veio correndo em socorro do infeliz. Encontrou Romilda em mais uma tentativa para derrubar o marido da árvore. Desta vez, subira numa escada doméstica de três degraus para alcançar com a vassoura alguns galhos mais altos e próximos de Zaca.

Neco não acreditou em seus olhos...

- Romilda! Mas o que é que você está fazendo?...

- Ela quer me matar! Não acredita em mim... - gritou lá de cima o pobre Zacarias.

- O Zaca dormiu em minha casa, Romilda. Tiramos meu filho de uma briga feia e eu o convidei para assistir ao Vascão lá em casa. Bebemos umas cervejinhas (Romilda cada vez mais furiosa.) e acabamos adormecendo. Pergunta pra minha mulher e pros meus filh...

Romilda nem deixou o Neco terminar...

- Vascão, né? Safado só combina com safado mesmo! Tome aqui, seu... Então, você também tava na farra com ele? E ainda vem tentar defender? Toma, seu merda!

Diante das certeiras vassouradas de Romilda e, sem ter pra onde correr, já que a mulher tinha preparo físico pra encarar até um boxeador, o único caminho que Neco encontrou foi a ibirapitanga.

- Fica aí, Neco. Não vem pra este galho, não. Ou vamos despencar os dois!...

- Tá doido? Fico aqui, não. Tá muito baixo. Aqui, a Romilda acaba me acertando. Chega pra lá, ou passa pro galho de cima, que eu não me arrisco não. Porra, que mulher você foi arranjar, Zaca?!...

Os vizinhos riam a mais não poder. Especialmente os flamenguistas, que de certo modo sentiam-se vingados. Nem o circo que se instalara no lugarejo no último fim-de-semana apresentara número tão divertido.

A polícia chegou quando Romilda já abandonara a vassoura e recolhia pedras que arremessava contra os dois pássaros sem asas, já bastante machucados.

Tiveram que algemar a fera para que Zaca e Neco conseguissem descer do "poleiro", sob os aplausos da vizinhança vascaína, e as vaias da rubro-negra.

Na delegacia, depois de muita conversa do delegado, e a promessa de hospedagem no xilindró se continuasse a endereçar bordoadas ao marido e ao Neco, Romilda tratou de acalmar-se.

Foram para casa, - ela, de bico, não deixava que ele lhe encostasse um dedo.

No dia seguinte, quando voltou do trabalho, Zacarias encontrou a escada do vizinho da frente encostada na parede da casa. E Romilda, com o machado do vizinho da casa ao lado na mão; a ibirapitanga no chão.

- Agora eu quero ver pra onde é que você vai correr quando (com toda a ironia de que foi capaz:) "o Vascão" jogar de novo...

ju rigoni (sem registro de data)


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sábado

Haja!...



Você acha mesmo que estou satisfeito?
Que é o bastante você dizer
que o seu amor por mim é grande?

Grande, - você diz...
Grande, em relação a quê?
Grande pode ser tão... pequeno.
Você tem que explicar esse grande
em seus mi-nús-cu-los detalhes...
Preciso conhecer a dimensão desse significado, -
medir com cuidado essa sua... "verdade".

Grande!...
De meros significantes, meu purgatório está cheio.
Não quero um amor só... grande.
Meu meu amor por você
vai muito além de uma palavra...
Faz todo o sentido...
Meu amor por você é infinito!!

?...

Vai ficar aí, calada,
encolhida, nesse sofá?
Ainda não ouvi a sua voz;
e eu sou todo ouvidos...
Pode começar!

ju rigoni (1992)

domingo

Dentro...



Às vezes,
marco encontro comigo
e... não compareço.
Esqueço que é este
o meu maior compromisso...

Perdida entre
trabalho, amor,
família, amigos,...
afazeres domésticos!...
ignoro os ponteiros,
e a verdade
que o espelho reflete,
mas não reconheço...

De manhã,
ao despertar,
levanto-me da cama,
mas minha chama...
dorme.
Mergulho imediatamente
no mar do velho novo dia...
E, entre tempestades
e calmarias,
ele passa...

Não quer nem saber...
Ele passa.

De madrugada,
após horas e horas
a navegar na insônia,
poucos antes de dormir,
um clarão...
Meu Deus,
não fiz nada do que me prometi!...

Olho o recado
preso à porta, -
escrevi para mim
no ano passado.
Morta de cansaço,
olhos pesados,
marco novo encontro,
e me apago...

De manhã,
ao despertar,
levanto-me da cama,
mas minha chama...
ainda dorme.

Preocupada com a hora,
passo pela porta
feito foguete,
sem me dar conta
do que conta
o tal recado, -
muito mais
que um simples
lembrete...

ju rigoni (1995)


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